O Mundo Indígena 2020: México

Escrito em 25 de maio de 2020. Publicado no México

México é o lar de 68 povos indígenas, cada um falando uma língua nativa própria, que estão organizados em 11 famílias linguísticas e derivam em 364 variantes dialectais. Segundo o Instituto Nacional de Estatística e Geografia (INEGI), 25,7 milhões de pessoas, ou 21,5% da população, auto-identificam-se como indígenas. Entretanto, 12 milhões de habitantes (10,1 por cento da população) disseram viver em lares indígenas. Além disso, 6,5% da população nacional está registrada como falando uma língua indígena, representando 7,4 milhões de pessoas.1

As comunidades indígenas continuam sendo as mais vulneráveis à desigualdade, uma vez que, segundo o Conselho Nacional de Avaliação da Política de Desenvolvimento Social (CONEVAL), 69,5% da população indígena, 8,4 milhões de pessoas, vivem na pobreza, e 27,9%, 3,4 milhões de pessoas, em extrema pobreza.2 Além disso, 43% dos falantes de línguas indígenas não completaram o ensino primário, enquanto 55,2% estão envolvidos em trabalhos manuais pouco qualificados.3

México assinou a Convenção 169 da OIT em 1990, e em 1992 o país foi reconhecido como uma nação pluricultural quando o artigo 2 de sua Constituição foi emendado.

Em 1 de janeiro de 2019, o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) marcou 25 anos desde o início de sua revolta. Manifestou sua oposição a projetos de infra-estrutura planejados pela administração federal, como o Trem Maia ou o Corredor Transitmiano.4

Mulheres indígenas em migração: Do espaço doméstico ao mercado de trabalho

No actual processo de mobilidade, é cada vez mais notória a presença de mulheres indígenas que, juntamente com o resto dos migrantes, se deslocam das áreas mais marginalizadas, na sua maioria localizadas no sudeste e centro do país, para aquelas com maior desenvolvimento económico, incluindo algumas cidades, áreas de desenvolvimento agro-comercial, áreas turísticas em diferentes partes do país, fronteiras norte e sul, e mesmo internacionalmente, particularmente nos Estados Unidos e Canadá. O Censo da População e Habitação de 2010 registrou que, de 174.770 falantes da língua indígena, imigrantes estatais, 82.416 são mulheres, ou seja, 47% do total. Entre os migrantes internacionais (37.117), as mulheres representam 6.858 pessoas, ou 18% do total. Estes são números aproximados se considerarmos a subenumeração da população indígena devido à negação da etnia e em alguns casos a perda da língua materna, critério utilizado pelo INEGI para identificar a população indígena. Isto está associado à discriminação contra os povos indígenas, como documentado por estudos sobre o assunto: “Nos locais de destino há uma forte tendência a discriminar as migrantes indígenas”, uma situação vivida por mulheres particularmente vulneráveis à discriminação, devido à sua tripla condição: migrantes, mulheres e indígenas.

De acordo com o INEGI, 20 estados do país registraram os maiores fluxos migratórios de mulheres indígenas migrantes estaduais. Esta tendência também pode variar de acordo com o grupo étnico. Por exemplo, em 2006 houve um aumento na migração de mulheres e famílias inteiras que se deslocam para fora do Estado ou do país, embora se note que a migração da população masculina é maior. A presença de mulheres indígenas na migração também não é registrada nos dados por estado, pois elas estão sub-enumeradas. O INEGI não os quantifica sequer por grupo étnico, limitando assim ainda mais a medição do fenómeno. É, portanto, necessário considerar informações qualitativas mesmo de anos anteriores, a fim de reconstruir a história da migração. Segundo etnografias realizadas nas áreas indígenas do país por vários pesquisadores, as mulheres envolvidas na migração são Mazahua, Mixtec, Pima, Tepehua, Pames, Otomi, Nahua, Amuzga de Guerrero, Popoloca, Tojolabal, Zapotec, Triqui, Yaqui e Coras, um fenômeno que não tinha se tornado visível como uma tendência geral na população indígena mesmo quando foi registrado nestes estudos.

As causas da migração indígena são múltiplas. Mesmo assim, fatores estruturais são as principais causas que explicam a continuidade do fenômeno. Além disso, as mulheres indígenas apresentam as taxas mais elevadas de analfabetismo, abandono escolar, falta de oportunidades de emprego, violência doméstica, problemas de saúde e risco durante a gravidez, altos níveis de fertilidade e mortalidade, entre outros fatores. Serviço doméstico, comércio informal, trabalho em restaurantes e maquila, ou mesmo mendicidade,5 são algumas opções para que as mulheres indígenas ganhem uma renda nas cidades. O trabalho em áreas agrícolas é outra opção a que recorrem.

Megaprojetos, consulta, povos indígenas e afro-mexicanos

México é reconhecido como um país pluridiverso, com grandes contrastes, especialmente em questões econômicas. O Governo Federal implementou uma estratégia de combate à corrupção, que começou com a transformação dos programas de atenção à população em situações de carência social, conforme registrado no Plano Nacional de Desenvolvimento 2019-2024; tais como as contribuições econômicas que são distribuídas de forma personalizada, que não consideram a perspectiva cultural ou a cosmovisão dos povos indígenas, ignoram sua organização e suas práticas de solidariedade derivadas de seus sistemas normativos internos, minando assim sua estrutura comunitária e enfraquecendo seu tecido social.

A visão do desenvolvimento nacional também foi imposta aos territórios indígenas através de grandes projetos de infra-estrutura, sem considerar sua participação, necessidades e aspirações, o que coloca em risco a sobrevivência dos povos como entidades coletivas e seu território, como apontado pelo representante da Organização das Nações Unidas.6 Por exemplo, o Trem Maia é considerado o mais importante projeto de infra-estrutura, desenvolvimento sócio-econômico e turismo da atual administração federal. Cobre uma rota de 1.525 quilômetros nos estados de Chiapas, Tabasco, Campeche, Yucatán e Quintana Roo, com 15 estações e um investimento aproximado entre 120 e 150 bilhões de pesos mexicanos.7 No entanto, algumas comunidades indígenas reagiram contra o que consideram uma imposição, entrando com processos de amparo no Judiciário Federal. É o caso de Xpujil, Calakmul, em Campeche, que obteve a suspensão provisória do projeto por desconhecer os estudos técnicos ou a Avaliação de Impacto Ambiental, além de ressaltar que a consulta foi simulada e fraudulenta, não estando em conformidade com as normas internacionais de direitos humanos. Entretanto, a maior oposição aos megaprojetos é representada pelo EZLN, cujos membros expressaram sua vontade de morrer como guardiões da terra ao invés de permitir.8

Com os procedimentos da Lei Geral de Equilíbrio Ecológico e Proteção Ambiental, é difícil proteger o meio ambiente porque deixa a responsabilidade para as comunidades de solicitar consultas quando há uma Avaliação de Impacto Ambiental, e não antes da concepção do projeto.9 O direito à consulta dos povos indígenas baseia-se no artigo 2º da Constituição e no artigo 6º da Convenção 169 da OIT, que deve ser prévia, livre e informada, além de fazer parte do seu direito à autonomia, autodeterminação e desenvolvimento. Entretanto, a Suprema Corte de Justiça da Nação transformou esse direito em um mero procedimento administrativo, restringindo o conteúdo da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos ao determinar que deve haver um impacto significativo10 para que uma consulta ocorra, e determinando que ela será considerada prévia se for realizada antes da implementação do projeto.11

Neste contexto, a Constituição Federal foi reformada para incluir os povos e comunidades afro-mexicanas no artigo 2(C) da Constituição, sem declarar expressamente seus direitos. Isto torna a sua inclusão obrigatória no próximo Censo Nacional da População e Habitação 2020, que pela primeira vez contém a pergunta: “Você se considera afro-mexicano, negro ou afro-descendente por causa dos seus antepassados, tradições ou costumes?12

Embora este ano o Senado tenha ratificado dois instrumentos internacionais: a Convenção Interamericana contra todas as Formas de Discriminação e Intolerância; e a Convenção Interamericana contra o Racismo, Discriminação Racial e Formas Conexas de Intolerância; os povos indígenas e afro-mexicanos foram reconhecidos exclusivamente como sujeitos culturais, e não como pessoas jurídicas de direito público dentro do sistema jurídico, o que os impede de ter personalidade jurídica para defender seus direitos e patrimônios coletivos.

Murders of indigenous activists defending rights and the environment

De acordo com várias organizações internacionais como a Global Witness e a Amnistia Internacional, o México permaneceu em 2019 um dos países mais perigosos para os activistas que defendem o ambiente e os direitos humanos, que sofrem assédio, ameaças, repressão e ataques mortais. Em 2019, pelo menos 14 ativistas e defensores ambientais pertencentes a vários povos indígenas foram mortos, alguns dos quais já haviam apresentado reclamações sobre o recebimento de ameaças. Os crimes foram cometidos principalmente nos estados de Chiapas, Chihuahua, Morelos, Oaxaca, Puebla, Tabasco e Veracruz, como resultado de conflitos territoriais, oposição e resistência contra megaprojetos de infra-estrutura, extrativismo e produção de energia.

Um dos casos mais representativos da violência e impunidade enfrentada pelos povos indígenas é o assassinato do activista camponês, comunicador e professor Nahua Samir Flores Soberanes, membro da Frente Popular em Defesa da Terra e da Água em Morelos, Puebla e Tlaxcala, que se opôs ao Plano Integral de Morelos e às duas centrais termoeléctricas de Huexca, ao gasoduto e ao aqueduto do rio Apatlaco. Na madrugada de 20 de fevereiro de 2019, ele foi morto ao deixar sua casa em Amilcingo, Morelos, a caminho da estação de rádio comunitária Amiltzinko, que ele fundou em 2013.13 O caso tornou-se ainda mais relevante porque apenas dois dias depois foi realizada a consulta pública sobre o funcionamento da usina termoelétrica, na qual, de acordo com os números oficiais 59.5 % da população votou a favor do projeto, com a participação de 55.715 cidadãos.

25 anos do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN)

Em 1 de janeiro de 2019, faz 25 anos desde a revolta do EZLN, em San Cristóbal de las Casas, Chiapas, que continuam em franca oposição ao Estado mexicano desde que, apesar do quarto de século que passou desde que declararam guerra, suas reivindicações não foram resolvidas. No contexto deste aniversário, o Subcomandante Moisés, porta-voz do EZLN, expressou seu desacordo com os projetos econômicos e de infra-estrutura do atual governo federal.

Num clima de luta constante entre o Executivo Federal e o EZLN, várias atividades foram realizadas ao longo do ano. Por razões de espaço, apenas dois são registados aqui. Nos dias 21 e 22 de dezembro de 2019, em San Cristóbal de las Casas, o EZLN, juntamente com o Congresso Nacional Indígena e o Conselho Indígena de Governo, realizou o Fórum em Defesa do Território e da Mãe Terra, que contou com 921 participantes e delegados de 25 estados mexicanos e 24 países. A principal discussão girou em torno dos vários megaprojetos, como a extração de hidrocarbonetos e a construção de gasodutos, hidrelétricas, termelétricas e eólicas, mineração, agronegócios e projetos turísticos, que afetam as comunidades indígenas através da desapropriação e contaminação de seus territórios. Na conclusão do fórum, foi acordado realizar os Dias em Defesa do Território e da Mãe Terra “Samir Somos Todxs” (Samir Somos Todos) em Fevereiro de 2020. Depois, de 27 a 29 de Dezembro, a EZLN realizou o Segundo Encontro Internacional de Mulheres em Luta, com o objectivo de reflectir, tornar visível e denunciar a violência contra as mulheres, bem como desenvolver estratégias para pôr fim à violência. O encontro teve lugar no Semillero “Huellas del Caminar de la Comandanta Ramona del Caracol Tzots Choj” (“pegadas da Comandanta Ramona del Caracol Tzots Choj” em Mayan) e contou com a presença de mais de 4.000 mulheres de 49 países. Durante os três dias foram realizadas actividades que permitiram às mulheres partilhar as suas experiências e estabelecer laços de apoio para combater a violência de género, dado que uma das suas principais funções é criar redes de apoio e encontros entre mulheres defensoras de outros territórios de mulheres.14 Convidamos os leitores a visitar o site da Rádio Zapatista para saber mais sobre o desenvolvimento destas atividades: radiozapatista.org

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Notas e referências

  1. Páez Cárdenas, Juan, 2000, “Indígenas Tijuanenses”, in Diario el Mexicano, Tijuana, Baja California, México, 22
  2. “Conversatorio hacia una agenda legislativa garante de los derechos a la libre determinción, al territorio y a los modelos propios de desarrollo de los pueblos indígenas y afrodescendientes”, UN-DH, México, 24 de Abril de 2019, disponível em: https://www.hchr.org.mx
  3. “Plano Nacional de Desarrollo 2019-2024”. SEGOB, México, 12 de Julho de 2019, disponível em: https://www.dof.gob.mx/nota_detalle.php?codi-n go=5565599&date=12/07/2019

José del Val, diretor do Programa Universitário de Estudo da Diversidade Cultural e Interculturalidade da (PUIC-UNAM); Juan Mario Pérez Martínez, secretário técnico da PUIC-UNAM; Carolina Sánchez García, secretária acadêmica da PUIC-UNAM; Elia Avendaño Villafuerte, Área de Direitos dos Povos Indígenas e Negros da PUIC-UNAM.

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