Liderada pelo fascínio da cultura japonesa, Chloé Jafé mudou-se para o Japão, um país onde mal conhecia alguém e falava muito pouco da língua. Enquanto lá, um projeto que a princípio parecia impossível tornou-se possível, quando ela conseguiu ter acesso às vidas raramente vistas de mulheres associadas à Yakuza – um dos maiores sindicatos do crime organizado do Japão.
Vendo velhos filmes de samurais, Jafé percebeu que as mulheres do submundo raramente chegavam aos holofotes. Mas ela cita um filme, Gokudo no tsumamachi (1986), que conta as histórias de duas esposas da Yakuza, como sendo uma inspiração motriz por trás do trabalho.
Como era de esperar, ter acesso a esta comunidade notoriamente fechada não foi uma tarefa fácil. O que acabou por se resumir a pura perseverança; o tempo investido na pesquisa, no encontro com as pessoas, na aprendizagem da língua e no aprofundamento da sua compreensão da cultura japonesa.
Enquanto trabalhava como anfitriã em Tóquio, Jafé rapidamente compreendeu que as mulheres tinham muito pouca autonomia quando se tratava de tomar decisões, e apercebeu-se que, se estava a levar o seu projecto a sério, precisava da permissão de um chefe da Yakuza.
2016, Takamatsu. Sra. Midori
Em breve, surgiu uma oportunidade. Era final da tarde nas ruas de Asakusa durante um festival. O sol estava finalmente a pôr-se depois de um dia quente. Cansado de filmar o festival desde as primeiras horas, Jafé decidiu fazer uma pausa e sentou-se na calçada. Enquanto ela se sentava ali, um homem em um quimono passou: um chefe da Yakuza, cercado por guarda-costas. “Ele era muito elegante”, recorda Jafé. “Eu não sabia quem ele era, mas estava sentado na rua dele. Muito gentilmente, ele me ofereceu uma cerveja e foi assim que tudo começou.”
O seu primeiro encontro oficial com ele foi algo direto de um filme de gangsters. Jafé convidou o chefe para jantar num restaurante à sua escolha, um lugar que ficava entre uma estação de trem e uma delegacia de polícia (só por precaução). Chegando 30 minutos mais cedo ela descobriu que o chefe já estava lá, flanqueado por dois guarda-costas. Eles entraram no restaurante, e os guarda-costas esperaram lá fora.
“O meu japonês ainda era desajeitado, então eu tinha preparado e impresso uma proposta para explicar claramente as minhas intenções”, diz Jafé. “Quando ele a leu, sorriu e se perguntou por que eu queria me concentrar nas mulheres. Então ele me disse que conhecia muita gente em todo o Japão e que poderia me ajudar”
“Naquela época, ele provavelmente não me achava sério, mas depois de algum tempo, quando percebeu minha determinação, ele lentamente abriu suas portas”
2016, Takamatsu. Ana está tomando banho no sento (banho público tradicional japonês)
Jafé diz que ao longo de sua aventura, ela aprendeu dois importantes valores japoneses. Primeiro, “ganbarimasu” (‘fazer o seu melhor’) e “gaman” (‘paciência’).
Na realidade, Jafé não tinha outra opção senão ser paciente. Se ela queria ganhar um acesso tão íntimo, ela sabia que primeiro tinha que desenvolver confiança. Como resultado, Jafé trabalhou muito de perto com as mulheres que fotografou; algumas até acabaram por se tornar suas amigas. A sua persistência compensou e a prova está evidente nas fotografias. Muitas vezes aparecendo nuas, as tatuagens das mulheres dominam as molduras, revelando uma individualidade que não é mostrada frequentemente.
Em termos de como as mulheres se encaixam na estrutura patriarcal da Yakuza, Jafé diz: “A Yakuza não é mais patriarcal que o resto do país, por isso a maioria das esposas da Yakuza tem a vida de donas de casa japonesas ‘básicas’. O grupo que eu segui é muito parecido com uma família. Durante as reuniões de grupo, enquanto os homens organizam o dinheiro e o álcool, as mulheres normalmente organizam a comida”
“Dependendo da Yakuza com quem você se casa, o seu papel varia. A esposa do chefe tem um papel vital no grupo. Ela é a sombra do patrão. Ela caminha ao lado dele e sabe tudo. O papel dela é cuidar dos jovens recrutas e aconselhar o patrão. Se o chefe vai para a cadeia, ou morre, sua esposa assume o grupo”
É esta devoção para toda a vida que Jafé escolheu refletir quando ela intitulou sua série, eu lhe dou minha vida (命預けます). “Eu queria dar uma voz a estas mulheres, que nem sempre têm a oportunidade de se expressar e mostrar que ‘atrás de cada grande homem, há uma grande mulher'””
2014, Chiba. Os jovens capangas estão cuidando das crianças na praia para a celebração do “Umi no hi”, o dia do mar.
2015, Saitama. Cão recheado no escritório do chefe.
2016, Tóquio. Amantes tendo um momento íntimo.
2016, Takamastu. Octopus.
2015, Asakusa, Tóquio. Mulheres do grupo durante o Sanja matsuri (festival japonês).
Jafé’s work will be exhibited at Akio Nagasawa’s gallery during Photo London.
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