Complexo de múltiplas proteínas na capacitação espermática e interação ZP
Aponto alcançando o local de fertilização, a ampola, os espermatozóides devem penetrar duas barreiras antes de se fundirem com a membrana plasmática do oócito, ou oolemma. A primeira delas é um estrato rico em ácido hialurônico de células cúmulos que envolvem o oócito e a segunda é a matriz extracelular do próprio oócito, o ZP (Hartmann et al. 1972). Apesar do desenvolvimento de ZP e dos sítios de ligação do ácido hialurônico durante a espermatogênese e da aquisição do potencial de ligação enquanto os espermatozóides transitam pelo epidídimo, essas células requerem um período distinto de residência dentro do trato reprodutivo feminino antes de serem capazes de participar com sucesso de tais interações (Austin 1951, Chang 1951). As mudanças coletivas que os espermatozóides sofrem dentro deste ambiente, denominado capacitação, permitem que as células respondam aos sinais decorrentes do complexo de oócitos cúmulos e completem um processo de exocitose acrossômica, tornando-as competentes para a fusão com o oolemma.
O ZP é composto por um conjunto de sulfoglicoproteínas, nomeadamente ZP1, ZP2 e ZP3, que são altamente conservadas na maioria das espécies de mamíferos (embora um ligando adicional, ZP4/B, tenha sido relatado em oócitos humanos e suínos) (Wassarman et al. 1999, Lefievre et al. 2002, Yonezawa et al. 2012). É geralmente considerado que estes ligandos governam a ligação do esperma na maioria das espécies (ver também Reid et al. (2011)). Notavelmente, no entanto, vários modelos ainda estão a ser considerados no que diz respeito à identidade do receptor primário do esperma dentro da ZP e aos mecanismos pelos quais os espermatozóides aderem a esta matriz (ver também Visconti & Florman (2010)). Da mesma forma, as investigações sobre a identidade do(s) receptor(es) de superfície espermática correspondente(s) que reconhecem o(s) ligando(s) apropriado(s) no ZP também falharam em fornecer respostas definitivas. De facto, existe uma literatura crescente de nocauteamentos murinos de candidatos à proteína receptora auspiciosa (incluindo β-1,4-galactosiltransferase (GALT1), arilsulfatase A (ARSA), e molécula de adesão espermática 1 (SPAM1); para uma lista completa, ver Ikawa et al. (2010)) que cada um falhou em resultar em infertilidade completa (Hess et al. 1996, Asano et al. 1997, Baba et al. 2002). Pelo contrário, são exibidos vários graus de capacidade de ligação reduzida, aumentando a possibilidade de que este processo englobe um grau de redundância funcional e que um número de proteínas espermáticas actue em conjunto para mediar a adesão ZP. A coordenação da actividade destas proteínas para assegurar interacções ZP produtivas está assim a emergir como um importante foco de investigação.
Na maioria dos mamíferos euterianos, pensa-se que a capacidade espermática é iniciada pela activação de uma via mediada por cAMP que culmina na fosforilação de múltiplas proteínas espermáticas (Visconti et al. 1995a, 1995b, Leclerc et al. 1996). As conchas moleculares figuram em destaque neste conjunto de proteínas, sendo que HSP90AA1, HSP90B1 e HSPD1 estão entre as proteínas reveladas para exibir fosforilação por tirosina como conseqüência da capacitação (Ecroyd et al. 2003, Asquith et al. 2004). Modelos atuais sugerem que a fosforilação dessas conchas durante a capacitação desencadeia seu papel ativo na montagem de proteínas de reconhecimento de ZP em complexos e/ou a translocação desses complexos para a superfície de espermatozóides em preparação para fertilização (Ecroyd et al. 2003, Asquith et al. 2004, Nixon et al. 2005, Gadella 2008). Para além deste papel indirecto na adesão dos gâmetas, os chaperones de superfície do esperma também têm supostas funções como moléculas de adesão que medeiam o reconhecimento dos sulfoglicolípidos durante a ligação dos gâmetas (Boulanger et al. 1995, Mamelak & Lingwood 2001).
Recentemente, a técnica de PAGE nativo azul (BN-PAGE), que foi originalmente desenvolvida para a análise de complexos multi-enzimáticos de cadeia de transporte de electrões (Schägger & von Jagow 1991, Schägger et al. 1994), foi adaptada para a avaliação de complexos de superfície de espermatozóides multiméricos em ratos e humanos (Dun et al. 2011, Redgrove et al. 2011). Esta técnica permite a resolução eletroforética de complexos proteicos nativos que retêm sua atividade biológica. Em espermatozóides humanos e de camundongos, o uso de BN-PAGE em paralelo com o BN-PAGE com zonas solubilizadas inteiras revelou vários complexos de multiproteínas primárias que possuem afinidade por ZP homólogo (Dun et al. 2011, Redgrove et al. 2011).
Um desses complexos tem sido relatado para compreender os componentes proteicos do complexo CCT/TRiC (CCT1-CCT8), uma estrutura de duplo anel que funciona como um acompanhante molecular com um papel chave na regulação da formação de complexos multiproteínas (Feldman et al. 1999, Guenther et al. 2002). Evidências supostamente sob a forma de ensaios de co-imunoprecipitação, co-localização e ligação de proximidade identificaram a proteína de ligação ZP 2 (ZPBP2) como uma das proteínas clientes mais convincentes para o complexo CCT/TRiC em espermatozóides maduros (Dun et al. 2011, Redgrove et al. 2011). Originalmente implicado na ligação secundária ZP, um estudo mais recente mostrou que os ratos machos nulos para ZPBP2 são subférteis e apresentam defeitos na interacção e penetração da ZP (Lin et al. 2007). Em ratos, há evidências adicionais de que certas subunidades do complexo CCT/TRiC são translocadas para a superfície espermática durante a capacitação espermática (Dun et al. 2011).
Outra classe proeminente de chaperones que foi identificada na superfície espermática e implicada na regulação das interações ZP é a família HSP70 (Naaby-Hansen et al. 2010). Tal como no complexo CCT/TRiC, os chaperones da família HSP70 também têm papéis bem documentados na facilitação do transporte da proteína transmembrana e na montagem de complexos proteicos estáveis (Mayer & Bukau 2005). Um membro da família HSP70 que exibe expressão exclusiva (mouse) ou predominante (humano) nos testículos parece ser essencial para a fertilidade masculina. De fato, a expressão aberrante desta acompanhante, HSPA2, tem sido correlacionada com um fenótipo de infertilidade de fator masculino grave em humanos, afetando especificamente a capacidade dos espermatozóides de interagir com oócitos homólogos in vitro (Eddy 1999, Huszar et al. 2007). Tanto em ratos quanto em humanos, HSPA2 tem um papel fundamental na espermatogênese, com deleção direcionada da proteína na espécie anterior levando a uma parada precoce deste processo e a uma concomitante ausência de espermatozóides (Eddy 1999). Em humanos, os níveis de expressão de HSPA2 têm sido positivamente correlacionados com o sucesso da fertilização in vitro (Huszar et al. 2000, 2006, Cayli et al. 2003) e, portanto, supostamente são capazes de prever o estado de fertilidade de homens com alto grau de precisão (Ergur et al. 2002).
Caracterização do HSPA2 em nosso próprio laboratório revelou que esta acompanhante está presente no domínio acrossômico dos espermatozóides humanos e é um componente de pelo menos cinco complexos proteicos de alta massa molecular (Redgrove et al. 2012), incluindo um subconjunto daqueles mostrados anteriormente como possuindo afinidade ZP (Redgrove et al. 2011). De acordo com estes dados, obtivemos evidência de que o mais dominante dos complexos HSPA2 contém duas proteínas adicionais, ambas previamente implicadas nas interacções esperma-zona (Redgrove et al. 2012). Além disso, de acordo com os resultados publicados por Huszar et al., conseguimos demonstrar uma redução significativa nos níveis de HSPA2 nos espermatozóides de homens com lesões isoladas na sua capacidade de interagir com ZP de oócitos homólogos in vitro (Redgrove et al. 2012). Nosso trabalho atual está focando se o déficit na adesão de ZP resulta da formação aberrante de sítios de ligação ZP nos estágios iniciais da espermatogênese (Huszar et al. 2000) ou pode ser o resultado da incapacidade do HSPA2 de participar em eventos de remodelação da superfície espermática durante a capacitação, tais como facilitar a montagem e/ou apresentação de receptores ZP na superfície espermática em preparação para a interação ZP.
Tanto consistente com nosso próprio trabalho, o complexo identificado por Han et al. demonstrou residir em microdomínios de membrana ou jangadas lipídicas, regiões especializadas da membrana que fornecem uma plataforma para a montagem funcional e apresentação de complexos multiproteicos (Stein et al. 2006, Nixon et al. 2009, Han et al. 2011). A partição de complexos de chaperone no ambiente da jangada também foi observada para HSPA2 em espermatozóides humanos (Nixon et al. 2011) e para componentes do complexo CCT/TRiC em espermatozóides de camundongos (Dun et al. 2011). Estes domínios de membrana também compreendem uma série de proteínas receptoras de ZP putativas adicionais, incluindo GALT1, ZP3R e SPAM1, reforçando o seu papel na remodelação da superfície do esperma e na ligação ZP (Fig. 1; Nixon et al. 2009, Asano et al. 2010). O(s) mecanismo(s) pelo qual tais proteínas são recrutadas para as jangadas lipídicas ainda não foi resolvido(s); entretanto, HSPA2 foi relatado para se ligar através de seu domínio ATPase a 3′sulfogalactosylglycerolipid, a principal glicoproteína identificada dentro das jangadas lipídicas de esperma (Mamelak & Lingwood 2001).
Além do papel putativo das balsas lipídicas no reposicionamento de complexos chave de chaperone e proteínas receptoras ZP, há também evidências convincentes de que muitos receptores ZP putativos, como ARSA e ZP3R, bem como vários chaperones moleculares mostram uma deslocalização dependente da capacidade de localização de locais intracelulares como o acrossoma para a superfície do esperma, para primeiramente as células antes de suas interações com o ZP (Nixon et al. 2009). Tem sido proposto que o contato íntimo entre a membrana acrossômica externa e a membrana plasmática do espermatozóide é mediado através da ligação de proteínas complementares solúveis N-etilmaleimidas do receptor da proteína de ligação ao fator sensível (SNARE), levando à formação de poros de fusão que fornecem uma rota para a migração das enzimas para a superfície do espermatozóide antes da perda completa do conteúdo acrossômico (Søgaard et al. 1994, Blas et al. 2005, Tsai et al. 2007). Em apoio a este modelo, um estudo de Brahmaraju et al. (2004) demonstrou que a administração de anticorpos para VAMP e SNAP na vesícula acrossómica inibiu a ligação do esperma-ZP ao rato.
Esta priming progressiva da superfície do esperma levantou questões relativas à natureza total ou nula da exocitose acrossómica. No entanto, a montagem funcional dos complexos SNARE também parece sustentar os eventos prolongados de fusão da membrana espermal que permitem uma perda completa do conteúdo acrossômico (Tsai et al. 2010). Embora seja amplamente difundido que o contato com o ZP inicia esta exocitose acrossômica na maioria das espécies de mamíferos, vários estudos realizados em camundongos demonstraram que os espermatozóides que iniciam a exocitose acrossômica antes do contato com o ZP ainda são capazes de fertilizar o oócito (Nakanishi et al. 1999, Jin et al. 2011). Este fenómeno também pode ser verdade para as cobaias (Huang et al. 1981) e os espermatozóides de hamster (Yanagimachi & Phillips 1984). Tais achados sugerem um papel importante para o cumulus oophorus no início da reação acrossômica e levantam preocupações quanto à capacidade de estudos in vitro realizados com estruturas de zona de oócitos densamente cúmulos para relatar com precisão a verdadeira natureza da reação acrossômica e, na verdade, da interação ZP.
Não obstante tal controvérsia, moléculas semelhantes a chaperone-like também têm sido implicadas na exocitose acrossómica em virtude da sua capacidade de promover a montagem de SNAREs contendo glutamina (Q-SNAREs) e SNARES contendo arginina (T-SNAREs) em complexos ternários apertados (Tomes et al. 2002, Sørensen 2005). Curiosamente, estudos elegantes em suínos demonstraram que a capacitação induz o acoplamento estável da membrana de plasma espermático com a membrana acrossômica externa em preparação para fertilização (Tsai et al. 2010). Estudos mais recentes realizados por Tsai et al. (2012) também forneceram evidências da presença de vesículas mistas unilamelares que, entre outras importantes funções, permitem o recrutamento de proteínas secundárias de ligação ZP na superfície do esperma e possuem um novo complexo trimérico SNARE composto por sintaxina 3, SNAP23, VAMP2, e uma proteína adicional, a complexina 2. A energia liberada pela formação de tais complexos é, por sua vez, utilizada para iniciar a fusão das membranas, puxando juntas a membrana plasmática e a membrana acrossômica interna do espermatozóide (Tomes et al. 2002). A conclusão deste processo é crítica na exposição dos domínios espermáticos que participam nos eventos a jusante da fertilização: ligação e fusão de oolemma.